Ao se fazer uma análise dos principais
momentos dos processos de desenvolvimento por que passou Igarapé-Miri, vale
considerar que a história da formação socioeconômica do município não é muito
diferente daqueles experimentados pelas sociedades amazônicas, marcados
inicialmente pelos algozes do processo de colonização que impunham o exclusivo
comercial da colônia brasileira a metrópole portuguesa. Acrescenta-se a isso a
forte desigualdade regional que perpetuou a região como mera fornecedora de
matéria prima.
O primeiro momento de desenvolvimento está
intrínseco à origem histórica de Igarapé-Miri, pois é a partir da cedência de
terras da coroa portuguesa para exploração madeireira a seus representantes no
município, de uma área onde já havia colonos moradores que resistiram, mas não
conseguiram conter a força do poder do império, que se deu a origem da municipalidade.
Soma-se a notória influência religiosa e cultural portuguesa que constituiriam
as bases de um município altamente elitista, escravista e opressor. Fato
marcado pela abertura por negros escravos do canal que liga o rio Santana de Igarapé-Miri
ao Rio Moju. Assim, as tentativas de resistência sempre foram abafadas pelas
forças econômicas, políticas e sociais ligadas à coroa, pelo que poderia se
oferecer de melhor da natureza “miriense”, com o objetivo de mandar a Portugal,
em troca das cobiçadas manufaturas europeias da época para o desfrute das
“elites econômicas[1]”.
Podemos identificar um segundo momento de
desenvolvimento da sociedade miriense, que são os chamados regatões[2]
e suas casas comerciais conectadas às casas aviadoras de Belém, forma singular amazônica
do capital mercantil. Os proprietários dos regatões eram elites econômicas
pertencentes às famílias detentoras de capital, cuja acumulação mercantil
dava-se pela venda de manufaturas por altíssimo preço em troca de ervas, madeiras
e demais produtos florestais, para venda às grandes casas aviadoras da capital Belém.
Em seguida e não excludente do anterior,
temos o mais importante momento até hoje de desenvolvimento do município, pois foi
no período áureo da economia de cana-de-açúcar que tivemos o ápice do
desenvolvimento de Igarapé-Miri. Este período foi marcado por relações de
compadrio, reciprocidade e exploração dos lavradores e seus familiares, o
município chegou à façanha de posar nas estatísticas oficiais como o segundo maior
PIB do estado, devido o tamanho da produção de aguardente de cana e açúcar
mascavo, prova que nos anos de 1938 e 1939, a
coletoria de Rendas Federais do município alcançou a renda máxima da região
(LOBATO, 2007, p. 66).
Esse processo marcou profundamente as
relações sociais, econômicas, políticas e culturais do povo miriense. A relação
socioeconômica de aviamento[3]
de mercadorias imposta pelas casas grandes dos engenhos aos lavradores e todo
poderio simbólico do dono do engenho perante a localidade ou vila onde se
instalava, reproduzia a mesma lógica do capital mercantil de acumulação por
preços exorbitantes que endividavam cada vez mais os trabalhadores do engenho,
cortadores e fornecedores de cana-de-açúcar e suas famílias. E ainda por uma dominação
das relações sociais, nas quais a vida da comunidade com suas rezas, festas,
amizades, parentescos, decisões, dores, amores, desejos e felicidades passavam
de certa forma pela vontade do dono do engenho e de sua família da casa grande.
Após mais de 40 anos, do século XX, de
vindoura economia açucareira, o município entra em declínio devido ao processo
de industrialização nas regiões, sul sudeste centro-oeste do Brasil. Os donos
de engenho cuja origem se mistura com o próprio capital mercantil e latifúndio
agrário segue sua rota para a capital do estado, onde se estabelecem como os
novos “empresários”, donos de supermercados, deixando o município sem nenhum
horizonte de desenvolvimento e distribuição de renda.
Nas décadas seguintes com a redemocratização
brasileira e todo o debate religioso em torno da teologia da libertação liderada
pela Prelazia de Cametá bem como a forte influência do movimento de luta pela
terra e movimento ambientalista, começou-se a dar novo direcionamento ao
processo de desenvolvimento regional. A região “Tocantina” que como as outras
regiões amazônicas foram ocupadas por grandes projetos como a UHE-Tucuruí e o
projeto Albrás-Alunorte, buscou na organização social de seu povo nova
alternativa ao desenvolvimento local.
Desse processo, surgiu o que se pode chamar
de mais um momento de desenvolvimento do município, tendo como carro chefe o
manejo florestal e plantio do açaí. A forte presença de organizações sociais no
município consolidou experiências na área de manejo florestal e da produção de
fruticultura da agricultura familiar, o que abriu novos parâmetros para o
financiamento, assistência técnica, produção e exportação da produção miriense.
Em síntese, esses são os momentos do processo de desenvolvimento presentes na
historiografia do município.
[1] Bottomore (1965) sintetiza que o termo elite de modo geral é empregado
de forma operacional referindo-se a grupos funcionais, sobretudo ocupacionais,
que possuem status elevado (por uma razão qualquer) em uma determinada
sociedade. E ainda que de modo mais restrito compreende-se como grupos sociais
que exercem diretamente ou influenciam no poder político (BOTTOMORE, 1965,
p.21).
[2] McGrath (1999) argumenta
em seu artigo “Parceiros no Crime” o regatão e a resistência cabocla na
Amazônia Tradicional que: [...] O regatão é um comerciante ambulante que viaja entre
centros regionais e comunidades rio acima, comercializando mercadorias para
pequenos produtores caboclos e comerciantes do interior em troca de “produtos
regionais”, agrícolas e extrativistas. O regatão tem uma história longa e
controvertida na Amazônia: de um lado, é visto como um pioneiro heroico,
trazendo a civilização para produtores isolados na floresta (GOULART, 1968); de
outro, como um atravessador sem escrúpulos, explorando os pobres da zona rural
e roubando comerciantes locais em seis negócios (PENA, 1973). Mas, apesar das
diferenças de opinião, ninguém tem duvida da importância do regatão para a
sociedade amazônica. Junto com o caboclo e seu patrão, ele formava a base do
sistema de aviamento e o nexo da luta para controlar o excedente que o sistema
produzia. Jogando nos dois lados da luta entre caboclo e patrão, o regatão tem
sido uma força decisiva em vários períodos da história econômica e social da
Amazônia, ajudando a construir, manter e, mais tarde, desmantelar o sistema
mercantil que dominou a região até meados do século vinte (MCGRATH, 1999, p.
57).
[3] Segundo McGrath (1999) embora
diferindo superficialmente das outras economias regionais da América Latina, o
sistema de aviamento, o sistema tradicional da Amazônia, compartilha quase
todas as principais características associadas ao capitalismo mercantil [...] aviar significa
fornecer mercadoria a prazo com o entendimento que o pagamento será feito em
produtos extrativos dentro do prazo especificado. O fornecedor da mercadoria é
o aviador, a pessoa que está recebendo a mercadoria é o aviado. Como é
implícito nessas relações, existem dos componentes no sistema de aviamento: de
um lado, o sistema comercial, com transações baseadas principalmente no escambo
e crédito, raramente envolvendo dinheiro em moeda; do outro, a rede comercial,
baseada nesse tipo de relação, com produtores individuais ligados a casas
aviadoras específicas através de uma rede de intermediários (MCGRATH, 1999, p. 58-59).