terça-feira, 30 de agosto de 2016

Analise dos momentos de desenvolvimento de Igarapé-Miri (Tese de doutorado p.35-37 Belém:UFPA, 2016)

Ao se fazer uma análise dos principais momentos dos processos de desenvolvimento por que passou Igarapé-Miri, vale considerar que a história da formação socioeconômica do município não é muito diferente daqueles experimentados pelas sociedades amazônicas, marcados inicialmente pelos algozes do processo de colonização que impunham o exclusivo comercial da colônia brasileira a metrópole portuguesa. Acrescenta-se a isso a forte desigualdade regional que perpetuou a região como mera fornecedora de matéria prima.
O primeiro momento de desenvolvimento está intrínseco à origem histórica de Igarapé-Miri, pois é a partir da cedência de terras da coroa portuguesa para exploração madeireira a seus representantes no município, de uma área onde já havia colonos moradores que resistiram, mas não conseguiram conter a força do poder do império, que se deu a origem da municipalidade. Soma-se a notória influência religiosa e cultural portuguesa que constituiriam as bases de um município altamente elitista, escravista e opressor. Fato marcado pela abertura por negros escravos do canal que liga o rio Santana de Igarapé-Miri ao Rio Moju. Assim, as tentativas de resistência sempre foram abafadas pelas forças econômicas, políticas e sociais ligadas à coroa, pelo que poderia se oferecer de melhor da natureza “miriense”, com o objetivo de mandar a Portugal, em troca das cobiçadas manufaturas europeias da época para o desfrute das “elites econômicas[1]”.
Podemos identificar um segundo momento de desenvolvimento da sociedade miriense, que são os chamados regatões[2] e suas casas comerciais conectadas às casas aviadoras de Belém, forma singular amazônica do capital mercantil. Os proprietários dos regatões eram elites econômicas pertencentes às famílias detentoras de capital, cuja acumulação mercantil dava-se pela venda de manufaturas por altíssimo preço em troca de ervas, madeiras e demais produtos florestais, para venda às grandes casas aviadoras da capital Belém.
Em seguida e não excludente do anterior, temos o mais importante momento até hoje de desenvolvimento do município, pois foi no período áureo da economia de cana-de-açúcar que tivemos o ápice do desenvolvimento de Igarapé-Miri. Este período foi marcado por relações de compadrio, reciprocidade e exploração dos lavradores e seus familiares, o município chegou à façanha de posar nas estatísticas oficiais como o segundo maior PIB do estado, devido o tamanho da produção de aguardente de cana e açúcar mascavo, prova que nos anos de 1938 e 1939, a coletoria de Rendas Federais do município alcançou a renda máxima da região (LOBATO, 2007, p. 66).
Esse processo marcou profundamente as relações sociais, econômicas, políticas e culturais do povo miriense. A relação socioeconômica de aviamento[3] de mercadorias imposta pelas casas grandes dos engenhos aos lavradores e todo poderio simbólico do dono do engenho perante a localidade ou vila onde se instalava, reproduzia a mesma lógica do capital mercantil de acumulação por preços exorbitantes que endividavam cada vez mais os trabalhadores do engenho, cortadores e fornecedores de cana-de-açúcar e suas famílias. E ainda por uma dominação das relações sociais, nas quais a vida da comunidade com suas rezas, festas, amizades, parentescos, decisões, dores, amores, desejos e felicidades passavam de certa forma pela vontade do dono do engenho e de sua família da casa grande.
Após mais de 40 anos, do século XX, de vindoura economia açucareira, o município entra em declínio devido ao processo de industrialização nas regiões, sul sudeste centro-oeste do Brasil. Os donos de engenho cuja origem se mistura com o próprio capital mercantil e latifúndio agrário segue sua rota para a capital do estado, onde se estabelecem como os novos “empresários”, donos de supermercados, deixando o município sem nenhum horizonte de desenvolvimento e distribuição de renda.
Nas décadas seguintes com a redemocratização brasileira e todo o debate religioso em torno da teologia da libertação liderada pela Prelazia de Cametá bem como a forte influência do movimento de luta pela terra e movimento ambientalista, começou-se a dar novo direcionamento ao processo de desenvolvimento regional. A região “Tocantina” que como as outras regiões amazônicas foram ocupadas por grandes projetos como a UHE-Tucuruí e o projeto Albrás-Alunorte, buscou na organização social de seu povo nova alternativa ao desenvolvimento local.
Desse processo, surgiu o que se pode chamar de mais um momento de desenvolvimento do município, tendo como carro chefe o manejo florestal e plantio do açaí. A forte presença de organizações sociais no município consolidou experiências na área de manejo florestal e da produção de fruticultura da agricultura familiar, o que abriu novos parâmetros para o financiamento, assistência técnica, produção e exportação da produção miriense. Em síntese, esses são os momentos do processo de desenvolvimento presentes na historiografia do município.




[1] Bottomore (1965) sintetiza que o termo elite de modo geral é empregado de forma operacional referindo-se a grupos funcionais, sobretudo ocupacionais, que possuem status elevado (por uma razão qualquer) em uma determinada sociedade. E ainda que de modo mais restrito compreende-se como grupos sociais que exercem diretamente ou influenciam no poder político (BOTTOMORE, 1965, p.21).
[2] McGrath (1999) argumenta em seu artigo “Parceiros no Crime” o regatão e a resistência cabocla na Amazônia Tradicional que: [...] O regatão é um comerciante ambulante que viaja entre centros regionais e comunidades rio acima, comercializando mercadorias para pequenos produtores caboclos e comerciantes do interior em troca de “produtos regionais”, agrícolas e extrativistas. O regatão tem uma história longa e controvertida na Amazônia: de um lado, é visto como um pioneiro heroico, trazendo a civilização para produtores isolados na floresta (GOULART, 1968); de outro, como um atravessador sem escrúpulos, explorando os pobres da zona rural e roubando comerciantes locais em seis negócios (PENA, 1973). Mas, apesar das diferenças de opinião, ninguém tem duvida da importância do regatão para a sociedade amazônica. Junto com o caboclo e seu patrão, ele formava a base do sistema de aviamento e o nexo da luta para controlar o excedente que o sistema produzia. Jogando nos dois lados da luta entre caboclo e patrão, o regatão tem sido uma força decisiva em vários períodos da história econômica e social da Amazônia, ajudando a construir, manter e, mais tarde, desmantelar o sistema mercantil que dominou a região até meados do século vinte (MCGRATH, 1999, p. 57).
[3] Segundo McGrath (1999) embora diferindo superficialmente das outras economias regionais da América Latina, o sistema de aviamento, o sistema tradicional da Amazônia, compartilha quase todas as principais características associadas ao capitalismo mercantil [...] aviar significa fornecer mercadoria a prazo com o entendimento que o pagamento será feito em produtos extrativos dentro do prazo especificado. O fornecedor da mercadoria é o aviador, a pessoa que está recebendo a mercadoria é o aviado. Como é implícito nessas relações, existem dos componentes no sistema de aviamento: de um lado, o sistema comercial, com transações baseadas principalmente no escambo e crédito, raramente envolvendo dinheiro em moeda; do outro, a rede comercial, baseada nesse tipo de relação, com produtores individuais ligados a casas aviadoras específicas através de uma rede de intermediários (MCGRATH, 1999, p. 58-59).