terça-feira, 21 de março de 2017



ANÁLISE DE CONJUNTURA MUNICIPAL: “velhos” e “novos” atores políticos mirienses pós 2016.
Edson Antunes[1]
Tom Jobim e Elis Regina cantaram “são as águas de março fechando o verão é a promessa de vida no teu coração”. Mesmo que para muitos o ano começa quando o carnaval acaba e que todo governo precisa de um tempo mínimo para se organizar, como dizia Cazuza “o tempo não para”, a cidade não para, seja o governo[2] estratégico de médio e longo prazo, seja o governo proposto pelos “teus filhos saberão cuidar de ti” ou o governo do dia-a-dia, a roda gira e ações públicas são ou não realizadas. Então, para não sairmos apontando o dedo indevidamente por ai, quando começam a aparecer os problemas, ou até mesmo quando se percebe vontade em começar a resolvê-los, é preciso inicialmente fazer uma boa análise de conjuntura[3] do atual momento sócio, político e econômico do município para melhor compreensão dos fatos da estrutura social miriense. 
Para tanto, apresentamos algumas questões que nos orientaram na condução desta análise, a saber: Qual a nova correlação de forças e interesses no tabuleiro político de Igarapé-Miri? Quais as alianças políticas presente no governo “teus filhos saberão cuidar de ti”? Qual a força política central deste governo? E o que de “velho”, “novo” ou “diferente” temos hoje na estrutura política municipal? Qual o quadro atual de atores[4] do poder executivo e legislativo para o mandato 2017-2020?
Como já analisamos em outros momentos, há uma constante circulação das elites[5] dentro da classe política miriense[6], em parte, pela manutenção do poder político edificado pelo poder econômico (como no caso do elemento estratégico engenho de cana-de-açúcar da família Leão); ou do volumoso “financiamento de terceiros” para as campanhas eleitorais ou devido aos fluxos na política de alianças quando da criação de blocos partidários, ligados a uma ou duas das três principais forças políticas do estado, hoje PSDB, PT e PMDB.
Este fenômeno pode ser observado, pela intensa costura entre as principais forças na formação da política de alianças de blocos partidários que disputaram as eleições municipais majoritárias dos últimos pleitos. Merecendo destaque, a disputa polarizada de 2012 da chapa de Pina (PT) e Francisco Pantoja (PMDB) candidatos à reeleição do bloco esquerda-centro entre a chapa de Pé de Boto (DEM) e Edir Corrêa (PSD) candidatos do bloco direita-centro, da qual saiu vitoriosa a chapa encabeçada por Pé de Boto-25, desembocando forte embate na justiça eleitoral com permanentes trocas de Prefeito[7] nunca visto na historiografia política de Igarapé-Miri, que culminou na realização de eleição suplementar.
A eleição suplementar de maio de 2015 foi um anuncio da formação das forças políticas que disputariam as eleições municipais de outubro de 2016. Neste pleito, saiu vitoriosa a chapa do ex-prefeito Pina (PT) e da vereadora Carmozinha[8] (PV) do bloco esquerda-centro obtendo 11.764 votos contra a chapa do vereador Toninho Peso Pesado[9] (PMDB) e Marcelo Corrêa (PR)[10] do bloco centro-direita que obteve 11.227, uma diferença de 557 votos, bem como da chapa de Joca Pantoja (PPS) e Antoniel Miranda (PEN) do bloco centro-direita mais próximo do governo do estado, que obteve 7.939 votos.
Com a vitória da chapa Pina e Carmozinha para comandar o poder executivo, o vereador Toninho Peso Pesado (vereador eleito para a presidência da câmara) volta ao comando do poder legislativo e dar continuidade a formação de suas alianças, construída nos 6 meses que assumiu a Prefeitura, tendo como base central o apoio da maioria dos vereadores da então câmara municipal. 
Após os constantes fluxos partidários quando da formação dos blocos para a disputa das eleições de 2016, as forças políticas foram novamente articuladas pelo PT, PPS e PMDB, ou seja, fecharam-se a chapa de Padre Jucelino e Antônio Marcos ambos do PT, a chapa de Joca Pantoja do PPS e Marcelo Corrêa agora PSC e a chapa que saiu vitoriosa de Toninho Peso Pesado do PMDB e Antoniel Miranda do PEN, coalização “suprapartidária” de centro-direita oposição acirrada ao PT do então governo Pina e ao PPS de Joca Pantoja e partidos ligados ao governo do estado, inclusive do próprio PSDB.  
Dito isto, o que de novo ou diferente pós 2016, temos na conjuntura política miriense?  A primeira questão é que desde 1992, último ano do governo Danda (1989-1992) o PMDB não elegia prefeito em Igarapé-Miri, num contexto de fortalecendo da sigla após o bom desempenho de Helder Barbalho na última eleição ao governo do estado e da chegada do presidente ilegítimo Michel Temer ao comando do governo federal; a segunda questão, um tanto diferente de nossa história política, é a formação da coalização “suprapartidária” constituída por um grande volume de forças políticas distintas (com forte presença de lideranças políticas oriundas da Vila Maiauatá) no comando do poder executivo e legislativo do município.
De fato, o atual quadro político neste conturbado início do governo “Teus filhos saberão cuidar de ti” merece nossa reflexão, em especial pela imediata centralidade da atual gestão. O centro do governo foi formado por membros do clã familiar do prefeito ou ligado pessoalmente a este ou ao PMDB (secretarias/órgãos: governo, finanças, educação, assistência social, cultura, controladoria, procuradoria...) deixando várias forças políticas da coalização na periferia.   
Para além do centro do governo, destaca-se a secretaria de saúde que ficou com o vice-prefeito Antoniel Miranda que também puxou o meio ambiente para o PEN, sendo que as outras secretarias, embora condutoras de políticas importantes como a administração (Dalva Amorin do PTB), gestão e planejamento (Francisco Pantoja do PMN), desenvolvimento urbano (Marenilson do PMN) e desenvolvimento econômico (Natan do PCdoB) não têm fundos descentralizados, sendo as despesas ordenadas pelo prefeito municipal e o secretário de finanças, ambos do núcleo central do governo, que no mínimo tem gerado descontentamentos nas demais forças políticas da coalização “suprapartidária” que venceu as eleições.   
Os descontentamentos entre as forças políticas do governo não são ainda mais intensos, porque o poder legislativo é comandado hoje por um grupo político que ora se colocou a favor ora contra aos governos do PFL, PT, DEM ou do PMDB, seja quando na condução da secretaria de saúde ou da câmara municipal e, portanto sempre esteve e está muito bem aquinhoado no poder local.    
 Por fim, essas são as forças de nosso tabuleiro político hoje que como já observamos podem de uma hora pra outra, entrar ou sair de blocos partidários formados por interesses conjunturais.


[1] Doutor em Ciências Sociais/Sociologia/UFPA. Prof.º SEDUC/Enedina Sampaio Melo/Ig-Miri.
[2] A democracia competitiva premia os bons governos, ou seja, administrações capazes de executar políticas que aumentem o bem-estar médio da sociedade. Nesse sentido, o mercado eleitoral está aberto, pois a nova coalização centro-direita não conseguiu restabelecer as bases do crescimento e da superação da crise ético-política brasileira (Rafael Cortez, cientista político pela USP, 2016).
[3] Conjuntura é uma atualização da estrutura, como a estrutura se apresenta num dado momento. A conjuntura não tem autonomia absoluta em relação à estrutura, que continua sendo determinante para se entender a lógica dos acontecimentos políticos e econômicos. A margem de manobra dos atores, na esfera da conjuntura, é relativa, ou seja, ela é determinada pelas limitações da estrutura. Achar que essa margem é ilimitada e que os atores podem fazer o que quiser é incorrer numa espécie de voluntarismo e suas consequências práticas no campo social e político. Como atualização da estrutura, a conjuntura apresenta sempre algo novo, diferente. Isto porque a correlação de forças e interesses no tabuleiro político varia. Quando a política de alianças sofre uma mudança, a sociedade experimenta uma sensação de turbulência, de insegurança ou crise. As conjunturas são determinadas, em primeira instância, pelas alianças políticas em jogo (Michel Zaidan, cientista político da UFPE, 2016).
[4] Bourdieu utiliza o termo “agentes” pertencentes a determinado “campo”, neste caso campo político para analisar a estrutura geral da sociedade (BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. 5ª edição. Rio de Janeiro: Bertrando Brasil, 2002).
[5] Conceito clássico da teoria política em MICHELS (1958); PARETO (1961); MOSCA (1988) e BOTTOMORE (1965).
[6] CORRÊA, Edson de Jesus Antunes. “Leões do Norte”. Elite política em Igarapé-Miri. UFPA, Belém, 2004.
[7] Essa questão será tratada em outro momento.
[8] Vereadora Carmozinha por ser a vice-presidente assumiu por 6 meses a presidência da câmara.
[9] Vereador Toninho Peso Pesado por ser o presidente da câmara assumiu por 6 meses a prefeitura.
[10] Contador do então Prefeito Toninho Peso Pesado nos 6 meses que esteve a frente da prefeitura.

sexta-feira, 3 de março de 2017

CARNAVAL DE RUA COMO OPORTUNIDADE DE EXERCÍCIO DO DIREITO ÀS CIDADES RIBEIRINHAS DO BAIXO TOCANTINS (PA)

CARNAVAL DE RUA COMO OPORTUNIDADE DE EXERCÍCIO DO DIREITO ÀS CIDADES RIBEIRINHAS DO BAIXO TOCANTINS (PA)
Edson Antunes
Em abril de 2016 a Revista Latino Americana de Estudos em Cultura (MATIZES) da UFF/RJ, lançou o dossiê “Múltiplos carnavais: Economia e política nas manifestações culturais populares”; coube a Marina Bay Frydberg fazer a apresentação intitulada: “Quando o carnaval chegar”: Carnavais em múltiplos e variados enfoques. No texto, Frydberg trás a historicidade do carnaval, constatando a existência de vários carnavais no Brasil: o carnaval das escolas de samba, o carnaval de rua, o carnaval dos trios elétricos. Para a autora, a tradição de se brincar o carna­val foi trazida para o Brasil pela manifestação popular de origem portu­guesa que consistia em atirar nas pessoas objetos que sujassem e molhassem. A partir da segunda metade do século XIX o carnaval pas­sa a ser festejada através das socie­dades carnavalescas, organização de pessoas de classe média e alta, que desfilavam fantasiadas, com carros e bandas de música. Inspirados pelas sociedades carnavalescas, as classes populares passaram a se organizar em blocos, cordões e ranchos. O carnaval passa então a ser classificado em “Grande Carna­val”, modo da elite brincar a festa, e “Pequeno Carnaval”, forma popular da brincadeira carnavalesca. Foi no final da década de 1920 que surgiram as primeiras escolas de samba, consideradas por muitos estu­diosos como uma síntese de todas es­sas outras formas de brincar o carna­val. Criou-se, assim, um modelo de carnaval que inspirou ma­nifestações festivas por todo o país e também pelo mundo. A festa carnavalesca brasileira, seja das escolas de samba ou do car­naval de rua, passou a fazer parte do calendário festivo do país ajudando na construção da identidade nacional, ganhando contornos regionais e locais em diferentes lugares do Brasil, sendo uma das caracte­rísticas do potencial do carnaval como elemento construtor de identidade e de práticas de sociabilidade.
O carnaval é sem dúvida uma festa de múltiplas expressões artísticas e, consequente­mente, de variados significados possí­veis de serem interpretados (o carnaval como prática, o carnaval como identidade, o carnaval e sua relação com o território.), assim, pode ser pensado como ritual, mas também como organização. Pode ser pensado como elemento constitu­tivo do ser, mas também como força política. Pode ser pensado como arte, mas também como negócio. Pode ser pensado como objeto de estudo, mas também como elemento constitutivo da identidade do pesquisador.
Na perspectiva de Siqueira & Vasque (2015), o carnaval também tem haver com o planejamento urbano e o direito a cidade, apresentando duas abordagens em disputa no modo de apropriação da rua, a saber, “a da urbanização social e do empreendedorismo urbano”. A primeira está associada à implementação de uma gramática de direitos que implica não só políticas redistributivas, mas também ações de reconhecimento no ambiente urbano ( identificação de áreas periféricas como parte da cidade), materializada por meio do que chamamos de direito à cidade. A segunda vem predominando na administração das grandes cidades, que vem sofrendo intenso processo de transformação socioterritorial, ou seja, o urbanismo social remete para a necessidade de administrar a cidade de modo a torná-la acessível aos seus residentes, isto é, permitindo-lhes acesso à terra, à infraestrutura urbana e reconhecendo-os (também) como pertencentes àquele espaço urbano. Já o planejamento – empreendedorista – por projeto facilita a mobilização de recursos em escala suficiente para programar grandes blocos de investimentos em equipamentos urbanos de elevado custo. Nesse sentido a manifestação cultural possui características próprias fundamentais que podem servir, no caso de uma gestão conduzida a partir de um empreendedorismo urbano, para atender aos interesses do capital privado na construção de uma cidade espetáculo, onde tudo está marcado pela circulação e consumo de novos produtos urbanos, ou se apropriada pelo urbanismo social, como forma de construção de uma ambiência diversificada e inclusiva a partir de uma perspectiva participativa voltada para seus próprios habitantes.
Ao se fazer uma rápida analise do carnaval pensado em sua relação com o território, o carnaval da região do Baixo Tocantins (PA) vem passando por grandes transformações. A cada ano, os municípios que compõe o território regional se destacam de alguma forma na história desta que é a maior expressão da cultura popular brasileira, (festa que mobiliza mil­hares de pessoas nas ruas, que popu­larmente é reconhecido que só depois dela que o ano começa, em que gira muito dinheiro e que mobiliza mani­festações apaixonadas); recentemente, para além do já consagrado ícone do carnaval popular paraense, o carnaval de Cametá (em especial o carnaval das águas), se não o melhor, mas um dos melhores carnavais do estado, a cidade de Abaetetuba vem se destacando pela participação de público e grandiosidade de seu carnaval. No entanto, a visão que vem avançando e tornando-se hegemônica na atualidade regional, bebe do modelo mercadológico dos “blocos de abadas”, do carnaval pensado como negócio que pode (com forte interferência externa apropriada integralmente pela lógica empreendedora capitalista), tirar a alegria e a espontaneidade dos “blocos de rua” de inspiração do modelo endógeno originários da cultura e historicidade local, eminentemente popular.
Nesse contexto, em que a necessidade de intervenção popular passa a ser percebida pelo poder público e reivindicada por seus citadinos, o conteúdo do direito à cidade passa a incluir acesso a direitos difusos e sociais, considerando que a festa carnavalesca é gratuita e de natureza democrática.
Dito isto, defendemos que o papel do poder público, muito mais de incentivar “cidades espetáculos” é de fortalecer, apoiar e capacitar às iniciativas de carnaval de rua (blocos de rua, “pequeno carnaval”) que comungam do ideário do carnaval e sua relação com o território e do urbanismo social, tais como as já exitosas experiências do “bloco da bandinha” e do bloco “cara e coroa” do município de Igarapé-Miri, blocos eminentemente populares, democráticos e de forte relação à visão citadas a cima; no sentido de difundir esse modelo e fazer surgir novas experiências nos bairros baseados no fundamento da organização social e sociabilidades, no qual os citadinos possam se envolver na construção de suas próprias fantasias, gerir de forma processual a produção da cidade, usando de suas criatividades, explorando toda a diversidade sociocultural e socioambiental do território em tela que possibilite uma nova economia do carnaval com geração de renda para a região.